segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Lá. Eles. Aqui. Nós. (Por Elika Takimoto)

O Brasil é enorme e bem poderia ser dividido ao meio. 

De um lado, mortadelas. Do outro, os coxinhas. A divisão já existe, só iria ser física, ou seja, além do campo das ideias. Aí, quem sabe, teríamos mais paz.

Veja bem. Quem apoiou o golpe, quem até hoje não enxerga o golpe, quem votou no Aécio ficaria de um lado. Quem denunciou desde o início o ataque à democracia, do outro.

Cada lado teria seu próprio presidente.

A galera que odeia PT ficaria com as escolas dominadas pelos projeto “Escola sem Partido”. Nessas escolas, os professores só passariam os conteúdos que sempre foram doutrinados a passar. Não promoveriam debates e nem incitariam os alunos a se revoltarem contra as mazelas do mundo porque se assim fizerem serão denunciados pelos próprios alunos. Os professores ou nada comentariam sobre o tema ou falariam que o mundo é assim, sempre foi assim e cabe ao aluno estudar muito para sobreviver a esse sistema.

Do outro lado, teríamos escolas em que debateríamos sobre desigualdade social, as diversidades do ser humano, quem quisesse ir de saia poderia ir de saia fosse homem fosse mulher fosse sem definição, primaríamos por um ensino coletivo e não individualista, prepararíamos o cidadão não somente para o “mercado de trabalho” mas, principalmente, para conviver com o próximo e consigo mesmo trabalhando sua auto estima o máximo que conseguiríamos. Jamais falaríamos para um jovem que ele tem que estudar para “ser alguém na vida” porque todos nós já somos um universo de potencialidades independente da idade, da classe social e do credo. Ensinaríamos que se deve estudar porque só o conhecimento transforma a si mesmo e o mundo.

Do lado de lá, as pessoas que nunca foram a museus não precisariam se preocupar porque lá não teria museus. Os prefeitos que fecharam os locais das exposições continuaria a fechar outros e ninguém se importaria. Pelo contrário. Ficariam felizes porque os artistas não estariam “mamando na Lei Rouanet”. Toda essa galera lá.

Daqui teríamos a arte como sempre muito incentivada em suas infinitas formas. Continuaríamos torcendo o nariz para muitas obras mas jamais proibiríamos o artista expressar o que pensa.

E já que estamos falando de artistas, aqui teríamos Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Wagner Moura, Duvivier, Xico Sá, Raduan Nassar. Lá, Lobão, Roger, Luana Piovani, Zezé e Luciano.

Lá. Bem longe daqui.

Aqui Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido na veia. Lá Alexandre Frota ditando o que deveria ser ensinado para os jovens daquela metade do Brasil.

Do outro lado, capitalismo capitalismo capitalismo por todos os lados. Eles que falam que o socialismo não deu certo em nenhum lugar do mundo e desconsideram que só no continente africano 236 milhões de pessoas passam fome – de acordo com dados da ONU – e o número de suicídios em países considerados grandes potências na economia, eles continuariam tentando dar certo. Lembrando que aquele lado estaria pleno de pobres. Os pobres de direita.

Eles ficariam com esse sistema que pode ser definido, de forma resumida, como o sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, na livre iniciativa e, sobretudo, na busca incessante por lucro. Como vivendo nesse sistema eles acabariam com a desigualdade social que é a liga que mantém o capitalismo um sistema sólido seria um problema só deles. Lá a concorrência continuaria sendo desigual pela natureza do capitalismo que privilegia aquele que já possui capital em detrimento daquele que nada tem. A elite lá ficaria bem consolidada e, claro, cada vez mais ávida por mais lucro.

Aqui deste lado não. Estaríamos buscando um novo sistema partindo do pressuposto de que toda a desigualdade social pode ser evitada por meio de atuação estatal e políticas públicas acertadas. Seria um sistema que não giraria em torno do Capital e do lucro pois entendemos que algo assim pode não trabalhar em favor dos princípios democráticos.

O comunismo seria um sonho que nos movimentaria de alguma forma, pois é o sistema que surgiu com o propósito de eliminar a desigualdade – e as próprias classes sociais – através da coletivização dos meios de produção.

Ah sim. A bancada evangélica ficaria lá. Claro. Aqui teríamos a convivência pacífica de todas as religiões já que a tolerância seria muito debatida em nossas escolas. Mas os valores morais de cada religião jamais transpassaria os muros das Igreja, muito menos chegaria ao nosso congresso e jamais em nossas escolas.

Lá a diminuição da maioridade penal já teria passado. O garoto de 16 anos pego assaltando seria preso e colocado nas celas com bandidos profissionais. Seria estuprado, aliciado para o crime, levaria muita porrada e em menos de dez anos, como previsto na lei, voltaria para a sociedade. Certamente, um ser renovado e pronto para cometer crimes muito piores. Direitos humanos continuariam sendo motivo de piada ainda assim para aquele lado do Brasil. Vai entendê-los…

Aqui investiríamos tudo o que tivéssemos em educação, arte e esporte. Somente por essa via o ser humano se transforma em um cidadão mais sensível e conseguiríamos mudar a sua essência. Bandido bom é bandido reabilitado. Esse seria nosso lema.

Lá. Ana Paula do vôlei. Aqui. Joanna Maranhão.

Lá. Malafaia. Aqui. Leonardo Boff.

Lá. Marta Suplicy. Aqui. Marcia Tiburi.

Lá. Constantino. Aqui. Sakamoto.

Lá. Janaína Paschoal. Aqui. Qualquer uma de nós em seu lugar.

Lá. Bolsonaro...

Aqui ficaríamos com aquele que é reconhecido no mundo inteiro por ter diminuído a mortalidade infantil e a desigualdade social. Ele. No meio do povo sempre conversando olhando nos nossos olhos como só ele sabe fazer. Aqui. Lula.





Elika Takimoto é Doutora em Filosofia pela UERJ. Mestre em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ. Graduada em Física pela UFRJ, Professora e Coordenadora de Física do CEFET/RJ. Integrante do grupo de pesquisa Estudos Sociais e Conceituais de Ciência, Sociedade e Tecnologia.



domingo, 8 de outubro de 2017

Não era sobre pedofilia. Não era sobre corrupção. (Por Elika Takimoto)

Lembram-se de quando a gente ficava se esgoelando dizendo: “eles não estão na rua contra a corrupção”? Com o tempo, o que alertávamos se confirmou. Provas foram expostas, malas encontradas, áudios liberados e… silêncio de quem fez um fuzuê com as pedaladas que são cometidas há anos (e que logo depois do golpe foram liberadas pela corja que está no poder, vale lembrar).

A frase épica de Bertold Brecht “a cadela do fascismo sempre está no cio” explica bem tudo o que aconteceu. Era um bando de fascistas no armário que estava sem graça de vir a público. Afinal, falar que odeia pobre e que quer mais que preto, mulher, trans, gays se explodam não pegava bem.

Daí veio 2013 e a Globo aproveitando-se daquelas manifestações “apartidárias” – cujas bandeiras da CUT eram proibidas – criou o vilão e o herói. O Brasil ficou dicotômico como os personagens das novelas. Há o bandido (PT) e o Salvador da Pátria (Moro). Esse tipo de narrativa novelesca o povo assimila bem como se entre o branco e o preto não houvesse uma infinidade de tons de cinza.

E a cadela no cio passou a copular devassamente.

Foi naquele contexto que os fascistas vestiram uma camisa de heróis da nação. Teriam a nobre missão de “livrar o Brasil da corrupção”. Caíram como patos e lá foram de verde e amarelo para as ruas achando que estavam salvando a nossa pátria.

Passou, de repente, a ser questão de soberania nacional falar mal do PT e tirá-lo do poder. Achavam e diziam eles. Eles. Os mesmo que estavam completamente irritados com as políticas sociais como o programa Mais Médicos, Bolsa Família e as cotas, vale observar.

O fascismo funciona exatamente assim para quem não sabe. O inimigo tem que estar bem definido e cabe aos fascistas desmoralizá-lo. Vídeos descontextualizados das falas da Dilma eram a cereja do bolo naquela época. Queriam ridicularizá-la a qualquer preço. Pessoas a chamavam de burra e riam da retórica de uma mulher que hoje está pelo mundo dando palestras a convite de grandes universidades. Como se conseguissem ser metade da metade que Dilma é.

E eles não param. Como 2018 está logo ali e Lula segue sendo preferência da população brasileira como mostram todas as pesquisas, é necessário desmoralizar a esquerda e tudo o que ela representa.

Incrivelmente pautas humanitárias e a defesa pela liberdade de expressão saíram das atas das reuniões da direita. Haja vista o que o MBL anda fazendo.

O episódio Homem Nu foi mais um exemplo de como se comporta a hipócrita cadela do fascismo.

Avisamos: não é sobre pedofilia! E os patos lá fazendo postagens “temos que proteger nossas crianças…”. Proteger de quê, cara pálida? Quando a gente perguntava isso, ouvia como resposta: contra a pedofilia!

Qual a razão dessa resposta sem nenhum sentido? Das duas uma. Ou a pessoa é burra de pedra a ponto de conectar uma performance artística sem o menor teor sexual com pedofilia ou falta-lhe caráter mesmo, pois faz isso com o intuito de diminuir a capacidade intelectual dos artistas e dos que os apóiam.

E a prova de que eles não estavam preocupados com as crianças porcaria nenhuma veio a galope: o caso do estuprador do Piauí.

O crime foi noticiado por todos os jornais. Silêncio dos protetores das crianças do nosso Brasil. O estuprador teve autorização para ficar com uma criança dentro de sua cela porque ajudava a família do menino financeiramente.

Segundo o levantamento do projeto, ligado ao Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação da USP, enquanto o caso do museu teve 550 mil compartilhamentos, o do estuprador do Piauí ficou na média de 45 mil. “Uma relação de 10 pra 1”, afirma a página.

“No caso do MAM, as matérias muito compartilhadas estavam dispersas em várias publicações do Jornalivre, Veja, Folha, Instituto Liberal e Ceticismo Político, entre outros; no caso do estuprador do Piauí praticamente foram compartilhadas apenas matérias da Folha de São Paulo e do UOL”, disse a pesquisa.

Além disso, enquanto o caso do MAM motivou manifestações do Movimento Brasil Livre (MBL), da família Bolsonaro e de partidos conservadores, o caso do Piauí “não teve nenhum grande compartilhador” e não chegou a ser mencionado por aqueles que foram contrários à exposição.

E se alguém aqui achar que estou exagerando, deixo aqui as frases de um cartaz que está fixado no museu do Holocausto em Washington que tem como objetivo alertar as pessoas sobre os perigos do fascismo e como identificar seus primeiros sinais. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

1. Empoderamento nacionalista contínuo.
2. Desdém por direitos humanos.
3. Identificação do inimigo como causa unificadora.
4. Supremacia militar.
5. Sexismo desenfreado.
6. Controle de mídias de massa.
7. Obsessão com segurança nacional.
8. Governo e religião interligados.
9. Poder/direitos corporativistas protegidos.
10. Poder/direitos de trabalhadores suprimidos.
11. Desdém pelos intelectuais e pelas artes.
12. Obsessão por crime e punição.
13. Corrupção e nepotismo desenfreado.
14. Eleições fraudulentas.

Não era sobre a corrupção e não era sobre pedofilia. É sobre extermínio de raças e de classes.

Acreditam agora ou precisam ainda de mais exemplos?







Elika Takimoto é Doutora em Filosofia pela UERJ. Mestre em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ. Graduada em Física pela UFRJ, Professora e Coordenadora de Física do CEFET/RJ. Integrante do grupo de pesquisa Estudos Sociais e Conceituais de Ciência, Sociedade e Tecnologia.